A minha vida inteira eu implorei
Por muitos amigos
Eu fiz muitos planos
Que não foram realizados
Nem consentidos
No amor eu perdi até aqueles que nem me pertenciam
Enquanto outros sorriam, vibravam, estremeciam

Aos poucos eu fui levando a minha vida inútil
Pra algum lugar
Me encantando com um mundo insano onde não tinha nada
A se admirar
Vivia implorando, choramingando, rastejando
Como uma cobra desgraçada envenenando
Mudando constantemente de lugar
Procurando novas pessoas inocentes
Para, finalmente, atacar

Nenhum ordinário sequer viu que eu estava imobilizado assim
Eu era uma janela bem aberta mas ninguém reparava em mim

Conheci frente a frente o que era o sufoco, o que era o perigo
Trabalhei com os meus erros, mas não acertei
Fui despedido
Carreguei nas minhas costas o peso do mundo, a água do mar
Penava como um condenado
Não tinha em quem me apoiar

Pensei na morte, mas a morte fugia de mim
Era sempre assim
Eu era uma janela fechada até que acertaram uma pedra em mim

Venha
Venha acabar com a minha dor
Venha me mostrar o horror
Porque eu já vivi demais

Será que alguém já passou o que eu passei
E saiu sem nenhum arranhão?
Não ficou estilhaçado pelo chão?
E depois outro alguém pisou
Sem a menor compaixão

Posso até ser chamado de escandaloso
Mas saiba, meu querido, que eu tenho os meus motivos
Se não fosse o vício maldito em felicidade comprada
Sem dúvida alguma a minha virtude não seria assassinada
A sujeira que jogaram na minha cara ninguém quis presenciar
Mas o que eu fiz, eu faço ou deixo de fazer virou notícia popular
Se hoje eu sou uma merda de pessoa já não é mais a minha culpa
Eu me entreguei a uma vida incompleta, discreta, dispersa, maldita, maluca

Aquela janela bem aberta estava emperrada, cansada do nada, deixando o ar passar sem passar
Se eu era uma janela incerta, coberta, encostada na parede, não tinha a quem alertar

Eu cheguei ao fundo do poço, mas eu não sabia direito como subir
A claustrofobia que eu achava que tinha, com certeza, pretendia fugir
A esquizofrenia insana e impura, fora de conduta, ficou livre de mim
Doença alguma me afeta porque não existe mais nada em mim que é humano assim

Eu não tenho mais nenhum esgoto para me esconder
Eu não sei direito, seja direito ou esquerdo o caminho a percorrer
Eu, sempre eu, sozinho, perdido, sem saber o que fazer
Eu, o meu doce inimigo, o meu véu de ninar, o meu imoral prazer
Sem calcanhar dolorido, mas indisposto a correr, preguiçoso demais para andar
Levitando aos poucos ao céu, descendo ao inferno e voltando ao luar

A janela – que janela linda! – tão fechada e atarracada
Não mais apoiada em nenhum lugar
Sustentada pelo chão
Que está prestes a desabar
Os cacos minúsculos, sumidos
Se perdendo para ninguém nunca mais achar

Venha
Venha acabar com a minha dor
Venha me mostrar o horror
Porque eu já vivi demais

Será que alguém já passou o que eu passei
E saiu sem nenhum arranhão?
Não ficou estilhaçado pelo chão?
E depois outro alguém pisou
Sem a menor compaixão

Fui eu mesmo que me quebrei
Fui eu mesmo quem me quebrou
Não adianta, não serei mais o mesmo
Mesmo se alguém já me colou

Venha
Venha acabar com a minha dor
Venha me mostrar o horror
Porque eu já vivi demais

Será que alguém já passou o que eu passei
E saiu sem nenhum arranhão?
Não ficou estilhaçado pelo chão?
E depois outro alguém pisou
E pisou, e pisou, e pisou, e pisou, e pisou, e pisou, e pisou
Sem a menor compaixão